domingo, 13 de abril de 2014

Odisseu, Eneias e Pedro

O Oráculo de Delfos me incumbiu de uma tarefa diária: utilizar o transporte público para ir ou voltar do trabalho. A tarefa não é muito diferente da epopeia de Homero: embarco numa missão quando saio do ponto de ônibus com o objetivo em mente de chegar ao trabalho e enfrento diversos obstáculos.

Existe um monstro terrível chamado Trânsito. Infelizmente, não há espada que possa atacá-lo ou armadura que me possibilite defender-me dele. Sou uma vítima constante. Essa criatura pode se tornar ainda mais terrível quando se junta ao Atraso.

Não posso me esquecer que, eventualmente, eu me transformarei num monstro também. É gradativo: cada passageiro que entra na lata torna-se uma parte da criatura chamada Massa, originada por um processo de condensação. A Massa é tão monstruosa que suas células nem são organizadas tampouco trabalham em conjunto. Uma célula esquece de passar desodorante; outra acha que o tipo de música de que gosta é tão bom que não pode ser ouvido somente por si; existe também aquela célula folgada que deve pensar que está sobrando espaço, pois carrega um mochilão de viagem nas costas.

Atualmente, a Massa tem sido assombrada por demônio cujo nome é Safadeza. Ele possui células masculinas aleatórias, que vão chegando por trás das células femininas e acabam cometendo atos nada respeitosos às coitadas. É lamentável.
Não posso reclamar. O Oráculo me avisou dessas atribulações. É até cômico concluir que no trabalho me canso menos do que dentro de um ônibus. E, ao fim do dia, lá vou eu me aventurar novamente. Quando, após todos os desafios, consigo chegar a minha casa, um pensamento me atormenta: “se a estadia no submundo for uma viagem infinita no transporte público, é justificável o terror que carrega o nome inferno”.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Ostentação... e Ódio

Uma introdução à Mitologia Sentimental:

Se havia algo de que o Ódio cuidava bem era seu trono — seu intangível, insondável e inexistente trono. Estava sempre a estudar possibilidades, analisar chances, pesquisar novos campos. Em tempos antigos, era mais difícil conquistar multidões, pois os humanos lhe eram uma incógnita. Atualmente, porém, ele tinha em suas mãos aqueles maravilhosos meios de comunicação chamados de redes sociais. Ali, notou que os seres abriam-se como um livro, revelando-lhe que estavam cada vez mais consumistas.
Nascia a Ostentação.
Ostentação era um dos mais lindos deuses. Vestia roupas feitas dos mais nobres tecidos e expunha no pescoço e nos pulsos joias das mais raras: chamava atenção onde quer que estivesse. A rainha Fantasia encantou-se de imediato por ele e não demorou muito para marcarem casório. Não que o deus estivesse apaixonado por ela, contudo, o que mais gostava era de exibir que era dono da deusa do mais alto escalão.
Seres humanos logo sentiram-se influenciados pela união. Fantasiavam que possuíam roupas caras, dinheiro infinito, automóveis desejados, bebidas alcoólicas, telefones celulares, etc. Suas ilusões eram externadas através de um ritmo musical extasiantemente dançante.
O Ódio explodia de felicidade ao constatar que tomara a decisão certa ao criar a Ostentação. Estudara muito bem o comportamento humano e percebera: a beleza exterior atrai pessoas; a interior as mantém. No entanto, ninguém queria manter pessoas por perto. Não era à toa que o Amor perdera seu trono muito tempo atrás.
Ostentação foi quem decidiu onde sua união com a Fantasia seria abençoada: num shopping center. Queria mostrar sua esposa ao maior número possível de pessoas e sabia que ali haveria bastante espaço, além da questão da acessibilidade — ricos e pobres estariam lá para assistir ao casamento do ano, que estava sendo noticiado como “rolezinho”.
Como de praxe, o Ódio fez questão de estar ao lado da rainha Fantasia, como em todos os momentos importantes do reinado dela. Aprovou seu maravilhoso vestido, o qual lembrava um arco-íris, e prometeu que tudo seria perfeito. Seus olhos tinham um brilho perverso, antecipando uma tragédia.
As previsões do deus perverso foram bem-sucedidas. Em resumo, a rainha Fantasia não conseguiu nem entrar no shopping, que encontrava-se apinhado de pessoas praticamente uniformizadas, de tão parecidas suas roupas. O interior do local estava uma balbúrdia, com uma aglomeração entoando uma canção daquelas que glorificavam a Ostentação. Lojas foram saqueadas, pessoas violentadas, marginais e inocentes detidos pela polícia. Haveria um dia em que os planos do Ódio falhariam?

quarta-feira, 28 de março de 2012

Mulher de fases

Quando chegou da primeira noite à sua casa, Mário adentrou o quarto e encontrou Juliana adormecida. Aproximou-se dela de olhos cerrados. Quando os abriu novamente, estava diante da mulher. Abaixou, tirou os cabelos loiros de sua bela face fina e alva e beijou-a. Virou e dirigiu-se ao banheiro.

Retornando ao lar e seguindo à alcova na segunda noite, Mário deparou com a esposa com os olhos verdes abertos. Foi ao encontro dela tal como na noite anterior e contemplou seu rosto pardo. Posteriormente, virou e dirigiu-se à sala de estar.

Na terceira noite, Mário regressou silenciosamente à residência. Esperava não acordar Juliana. Abriu a porta do dormitório com cuidado e decidiu não entrar. Apenas manteve fechados os olhos por alguns instantes e, depois, contemplou a silhueta do negro corpo voluptuoso dela, seu rosto redondo. Fechou a porta, deu-lhe as costas e fitou o sofá.

Ao chegar da quarta noite, Mário não foi cauteloso e acabou deixando a porta da sala bater ao fechá-la, produzindo um barulho estrondoso. Permaneceu naquele cômodo por mais ou menos 15 minutos antes de entrar no quarto. Felizmente, Juliana dormia. Aproximou-se dela da forma rotineira e observou-a. Beijou seu rosto vermelho e afagou seus cabelos lisos e negros. Os olhos puxados dela foram abertos subitamente. A mulher o puxou para si, desperta por completo, e seus lábios tocaram o pescoço dele. Palavras doces foram ditas, emitidas por sua agradável voz. Juliana convidou Mário a deitar-se a seu lado, no entanto, ele declinou, virou-se e seguiu para a cozinha.

Excessivamente embriagado na quinta noite, Mário não trancou a porta de casa; simplesmente encaminhou-se ao quarto, porém, não conseguia admirar a visão de Juliana. Cores e formas mesclavam-se em sua mente. Voltou-se à sala de estar, deu alguns passos e desabou no sofá.

Mário permaneceu em casa na sexta noite. Sentado no sofá ao longo do dia, estava cansado das novelas, filmes, reality shows. Juliana chamava-o por vezes, trazia-lhe lanches e sentava a seu lado em determinados momentos; não foi um dia feliz. A esposa acariciava seus braços com as unhas grandes, provocando-lhe cócegas, durante um programa bobo de tevê, e isso era bom, mas não o bastante. As pernas de Mário tremiam, ele já não aguentava encarar as paredes. Os cabelos ondulados e castanho-claros da mulher aborreciam-no, roçando em sua pele. O indivíduo observava seu reflexo no enorme espelho da parede a seu lado: frustrado, o rosto enegrecido por olheiras, aparência abatida levando em conta sua idade. Juliana, ao invés disso, rejubilava-se na companhia do marido. Seus olhos azuis irradiavam, a pele branca reluzia. E, embora estivesse acima do peso, era uma moça muito bela. Para Mário, porém, não era o bastante. Por fim, ele ergueu-se e dirigiu-se ao quarto.

Juliana não fez parte de sua sétima noite.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Argumento contra o silêncio

Eu devo avisar que sou vegetariano e isso influenciou muito quando escrevi esta fábula. Portanto, se achar que o texto é ruim, sem problemas. Acredito que você seja onívoro. ;)


A posição de todos era a mesma, e um leão não era considerado mais poderoso do que um cervo; porém, isso foi há milhões de anos, quando o fogo era descoberto e a agricultura, pouco conhecida e praticada. Eram tempos dos mais pacíficos até que uma série de crimes teve início.

Animais desapareciam e, depois, eram encontrados assassinados, com partes dos corpos faltando. Em certas ocasiões, somente achavam seus esqueletos. A identidade do assassino era um enigma, mas o sujeito parecia um tanto seletivo. Entre todos os mortos, bois, vacas, porcos, galinhas e peixes destacavam-se.

Foi um tempo de muito caos. Todos se escondiam em suas tocas e cavernas, entretanto, o assassino era sagaz. Famílias de bovinos eram surpreendidas pela madrugada e, quando raiava o Sol, nenhum membro havia sido poupado.

Muitos eram os animais mortos. O assassino não percebeu que isso deixava uma brecha em seus perfeitos planos. A Polícia dos Bichos contemplava o círculo de suspeitos se fechando. Os tigres eram descartados, os ursos, crocodilos… Então, apenas duas espécies restaram: serpentes e humanos. Se eles não morriam, eram eles os criminosos.

Todos começaram a olhar torto para os potenciais criminosos. Hipopótamos evitavam sair da água, macacos ficavam nos galhos mais altos de suas árvores. Foi um período tenso, contudo, um homem foi encontrado. Seu corpo estava frio, sem vida, e na perna direita havia dois finos orifícios. O sujeito havia morrido com veneno de cobra.

A assassina foi capturada rapidamente, pois se achava ferida, não muito longe do local do crime. Marcaram de imediato para julgar todas as serpentes um conselho de animais. O Humano Alfa parecia um tanto ressentido. Outros alfas bradavam à Cobra Alfa e à criminosa.

A sábia Juíza Coruja pediu silêncio. A balbúrdia em seu tribunal era indescritível. Depois de controlar a situação, ela recebeu acusações, fatos e teorias. As serpentes ouviam tudo quietas. Como culpadas, pensavam os animais. Agora que haviam descobrido as responsáveis por tamanha crueldade tudo fazia sentido. Aqueles seres longos e cilíndricos que sibilavam e expunham a língua bifurcada sempre foram muito suspeitos. A confusão voltou quando a juíza deu voz à assassina.

— Matei, sim — confessou ela e todos urraram. — Matei, mas alego legítima defesa

A coruja a encarou. Não fosse sua presença, os alfas começariam a agir feito selvagens e a matariam.

— O homem tentou algo contra você?

— Sim! Eu estava me alimentando de algumas folhas de hortelã quando notei sua presença. Virei-me e vi que ele empunhava um pedaço de madeira com a extremidade aguda. Agilmente, ele me atacou, forçando a arma a penetrar em meu corpo. Fui muito ferida e desmaiei. Quando acordei, ele tentava se alimentar de mim! — muitos dos presentes arfaram, surpresos. — Fui forçada a mordê-lo.

Os humanos berraram em auxílio do defunto. “Foi ela quem tentou matá-lo e ele, na realidade, se defendeu!”, argumentavam.

A Juíza Coruja ponderou.

— Vou precisar que a Perícia dos Bichos examine os corpos da ré e da vítima.

Os humanos ficaram com uma expressão de pânico quando ouviram isso.

— Vão cortar o corpo de nosso companheiro? Ele não merece algo assim! — falou o Alfa. — Merece um digno enterro.

A expressão deles mudou novamente quando os peritos entraram no tribunal. Era como se os recém-chegados representassem ameaça.

— Não merece, aquele assassino! — berrou a serpente julgada. — Como podem se aproveitar da situação para nos culpar dessa série de crimes? Vocês humanos são impuros! Cobras nunca seriam capazes de matar outras espécies daquela forma! Nunca seríamos capazes de nos alimentar de nossos colegas!

Por um instante, os animais ficaram indignados com as acusações da cobra. No entanto, a seguir, o que lhes fazia sentido fez ainda mais com aquelas palavras. A forma como os corpos das vítimas eram encontrados… Serpentes não tinham habilidade alguma para algo assim. Porém, os humanos tinham uma anatomia mais evoluída. Eles eram capazes de cometer as atrocidades cometidas. A resposta para tudo estava ali.

O Humano Alfa notou os olhares dos animais. Eles haviam percebido tudo. Se não tomasse uma atitude, haveria uma revolta no tribunal. Ainda bem que ele e seus súditos haviam vindo preparados. Uma piscada breve de olho e os servos entenderam sua ordem.

Armas desconhecidas surgiram. Arcos e flechas e lanças, como chamavam os humanos. Em uma piscada de olhos, a Juíza Coruja havia sido apunhalada. O Alfa tinha uma arma especial, conhecida entre os homens como espada. Ele se encaminhou à serpente que assassinara seu camarada, a que fizera acusações contra sua espécie. Fazia questão de matá-la ele próprio. Ela sibilou arrepiada quando ele ficou à sua frente.

— Por que vocês estão nos comendo? Não estão contentes com os vegetais? — indagou a cobra.

— Temos que nos deslocar quando eles acabam. Isso é inconveniente. E, além do mais — o Humano Alfa sorriu maleficamente —, vocês são deliciosos. — E enfiou a espada na cabeça da cobra.

Nenhum animal senão os humanos sobreviveu para contar tamanha carnificina, que terminou com uma fogueira para assar a carne resultante da brutalidade. Ninguém se alimentou das serpentes. Tinham agora repulsa por elas, portanto, seus corpos foram simplesmente cremados nas chamas.

Milênios se passaram e até os dias de hoje os humanos continuam devorando a carne de outros animais. Se hoje eles não falam, é porque as pessoas obrigaram-nos a ser silenciosos. Não admitiam que eles dissessem uma palavra enquanto os torturavam, portanto, aprenderam a apenas emitir seus urros, mugidos, balidos, cacarejos, miados, latidos. Ficaram irracionais e começaram até a matar uns os outros, como os humanos. Ah, se um dia tornarão a ser inteligentes? Improvável.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Fantasia e Coragem... e Ódio

Uma introdução à Mitologia Sentimental aqui e aqui.


Houve um tempo saudoso em que o Amor era o deus soberano, mas o Ódio teceu seus planos e tirou-o de seu lugar, que foi passado para o Bom-senso, que, então, perdeu seu posto para a rainha Fantasia devido a outras tramas do Ódio. A rainha fora criada pelo deus perverso e era controlada por ele. Por trás de livros românticos com vampiros brilhantes e péssimos cantores mórbidos ou coloridos inventados por ela, o Ódio ocultava seus atos.

O deus estava havia algum tempo sem executar grandes planos quando surgiu em sua cabeça sua ideia mais cruel. Ele precisava ir ter com o Amor.

Desde a concepção dos tempos, o Ódio vivia num templo a leste na Terra, num local terrível e tumultuado, chamado de Oriente Médio. Enquanto marchava em direção ao Amor, ele sorria e seduzia as pessoas. Era o deus mais charmoso, inteligente e persuasivo: o mais irresistível.

A viagem do Ódio ao santuário do Amor demorou um tempo considerável e virou uma notícia que se espalhou muito velozmente. O Primeiro Soberano ficou apreensivo com a vinda, pensou até em fugir. Esses não eram sentimentos comuns ao deus no Início. Ele se tornara medroso desde que o Bom-senso fora tirado do poder. Mas, nos tempos atuais, a Coragem estava por perto dele, e isso foi o que impediu sua fuga.

O Ódio chegou com um sorriso. A primeira década do vigésimo primeiro século se acabava, uma data marcante. O Amor não esperava que seu pior inimigo chegasse com uma expressão humilde — no entanto, o que o deus mais bondoso não sabia era que aquela era uma das faces do Ódio. A Coragem olhava desconfiada para o deus e até percebeu algumas mudanças suspeitas em seus olhos e seu sorriso, mas trouxe um chá com biscoitos para o visitante.

A conversa entre os deuses opostos foi agradável. Eles falaram sobre como uma grande guerra não acontecia havia tempos, sobre política, sobre cultura. No meio da conversa, porém, ouviu-se uma batida na porta. A Coragem não quis que o Amor interrompesse sua conveniente conversa e foi atender o recém-chegado. Sua boca caiu quando encontrou a bela rainha Fantasia. Estava tão atônito que não percebeu quando ela ergueu seu cetro e o tempo parou.

O Ódio sorriu mais uma vez, dessa vez de modo maléfico — sua primeira e mais sincera face. Planejara o ataque com a Fantasia, convencendo-a de que aquilo daria uma boa história para contar. Ele jogou o chá que a Coragem trouxera no chão; estava-lhe intragável. Ergueu-se, aproximou-se do Amor imobilizado e segurou sua cabeça. Espiou a Fantasia; ela observava lunática o santuário. Ótimo, pensou o deus, enquanto penetrava na mente repulsiva do Primeiro Soberano.

O deus perverso viu muitas imagens do Início. Não era o que queria, contudo, era o que mais passava pela cabeça do Amor. O Ódio desejava mais do que tudo o conhecimento. Ele sabia o que podia se passar pela mente de qualquer deus, entretanto, os humanos eram uma incógnita para ele. Seus planos mais perspicazes não seriam um sucesso se a Fantasia, o Desalento ou o Júbilo não estivessem intervindo por ele, mesmo que de modo inconsciente. E agora, usaria do Amor — o maior conhecedor dos seres humanos — para mais um de seus cruéis episódios.

Horas se passaram até que o Ódio encontrasse o que queria: como o Amor poderia afetar a mente de pré-adolescentes. Entre todos os esquemas do Ódio, havia algo em comum: ele almejava distrair suas vítimas desde jovens, quando seu caráter ainda estava sendo construído. Ele ouviu música ruim e repetitiva, do tipo que gruda na cabeça, viu letras pegajosas e mal formuladas que comoviam garotas de 11 anos. Olhou novamente para a Fantasia, como que dizendo que já fizera o que tinha a fazer. Ela se aproximou, pegou sua mão e os dois desapareceram quando o tempo voltou a incidir sobre a Terra.

A Fantasia ouviu encantada o que o Ódio encontrou na cabeça do Amor. Os dois passaram a noite maquinando como realizar um plano maravilhoso. O Ódio pensou que a maior parte da população da Terra era feminina. Deveriam obter um “moleque” atraente e manipulá-lo a fim de enlouquecer as garotas. A Fantasia encarregou-se dessa parte. Logo encontrou um jovem de 15 anos que não era muito alto, com cabelos castanhos e lisos, olhos que brilhavam, uma pele branca e que usava roupas invejáveis. A princípio, seria popular por sua franja e pela voz infantil, mas, com o tempo, mudaria para adaptar-se ao gosto das garotas. Sua aparência, de acordo com o Ódio, também afetaria os garotos, que tinham como maior fraqueza o sexo oposto; eles tentariam ficar parecidos com sua criação para agradar as meninas.

O Ódio lembrou-se de certos grupos compostos por cinco garotos de por volta de 20 anos chamados como boy bands. Eles faziam sucesso na década anterior. Seu garoto devia reproduzir o tipo de música cantado por eles. Aqueles grupos haviam dado início a um exército de ignorantes devotos e odiadores do Bom-senso conhecidos como “fãs”. Contudo, seu garoto, o garoto JB… ele mudaria o mundo pelo Ódio fazendo aquele exército se renovar e crescer.

domingo, 8 de janeiro de 2012

Arruinando a Terra do Nunca

Esta crônica é diferente das outras que escrevi, pois tem ligação com a série "Drinon". Para quem não sabe nada sobre a série, pode ser complicado entender, mas eu tentei escrever de uma forma que todos pudessem compreender. De qualquer modo, boa leitura.



A babá envolveu Danilo com a toalha e levou-o à porta.

— Espere aí — disse ela. — Maria já vem para vesti-lo. — E afagou a cabeça de seu irmão gêmeo, Daniel, para guiá-lo à banheira.

Danilo não esperou meio minuto até que a governanta aparecesse.

— Ah, Daniel, meu querido, você está com frio? Eu demorei muito? — indagou Maria, virando-se para seguir ao quarto de Daniel.

— Mas meu no… — o pequeno interrompeu-se ao ter uma ideia. Para uma criança travessa de cinco anos, era uma ideia genial.

— Como, Daniel? — perguntou Maria, imaginando que o garotinho tivesse tido dificuldade para pronunciar alguma palavra com muitos Ms.

— Mas… — repetiu Danilo, pensativo. — por que eu não posso ficar sem roupa pelo resto do dia?

Maria arfou, atônita.

— Ora, Daniel! — exclamou. — Isso não é do seu feitio! Porém, além da tremenda falta de educação que seria ficar exposto, seu avô, que está muito doente, logo chegará à mansão — eles viraram a um corredor e ficaram diante da porta do quarto de Daniel. — Você precisa estar vestido adequadamente à ocasião — e entraram.

Danilo não gostava do quarto do irmão. Parecia-lhe sem vida, com paredes brancas sem sequer um risco de lápis de cor, um piso de assoalho sem sequer um brinquedo fora do lugar. Exprimia as preferências completamente diversas do gêmeo, que já sabia ler e gostava mais de livros que de carrinhos. Daniel não era de fazer riscos abstratos em lugares inoportunos; desenhava formas geométricas quase perfeitas em cadernos de desenho.

Maria sentou-o na cama do irmão. Dura demais, pensou ele. Não dá para ficar pulando. Ela afastou-se, indo até o closet, e logo voltou com uma roupa que fez Danilo torcer instantaneamente o nariz.

— Não, querido. Essa expressão não será permitida diante de seu avô. Vamos lá, veja que elegante, Daniel — falou Maria exibindo um pequeno terno preto.

Danilo suspirou e seus ombros cederam. Maria vestiu-o com aquela roupa repugnante e penteou seu cabelo. Em seguida, o fez encarar seu reflexo no espelho a porta do quarto — um espelho que ele não tinha em seu quarto porque sabiam que ele o quebraria. Danilo não só torceu o nariz, mas o rosto inteiro. Não havia nem um fio fora do lugar em sua cabeça, e ele não pôde se controlar: ergueu as mãos para arrepiar o cabelo, entretanto, a governanta segurou-as.

— Daniel, o que está acontecendo? — indagou, agachando-se para que seus olhos ficassem na altura da dos dele. — Você deve estar andando muito com Danilo, só pode. — ela o abraçou. — Comporte-se, por favor. Vou buscar seu irmão e seu pai já vem buscá-lo, OK?

Danilo assentiu e voltou sorridente para a — desconfortável — cama.

Antes mesmo que Maria pudesse dar um passo fora do quarto, Denílson, o pai dos gêmeos, apareceu e Danilo ficou convencido de que sua ideia de se passar pelo irmão era de fato genial. O pai estava com uma expressão receptiva, e agachou e abriu os braços para o filho, que correu para ele mais feliz do que em qualquer outro momento de sua infância — pois estava recebendo atenção de seu pai. Ele fechou os olhos, sorriu e suspirou quando Denílson apertou os braços ao seu redor.

Danilo não conseguiria pôr em palavras o que sentiu naqueles poucos segundos de conforto. Era uma sensação nova e boa e ele imaginou que fosse assim que seus amigos deviam se sentir quando as mães os buscavam na escola, que apenas o calor das mãos delas fosse equivalente ao corpo cálido de seu pai. Contudo, ele com certeza saberia descrever seu desapontamento quando ouviu o grito de Daniel.

— O meu pai não! — berrou o irmão, irrompendo do outro corredor. Maria vinha atrás dele correndo.

Denílson começou a olhar de um gêmeo a outro, muito confuso.

— Seu mentiroso! — continuou Daniel, tentando avançar para o irmão, no entanto, Maria o segurou. — Ele é o Danilo, pai!

Denílson fitou o filho e o soltou, visivelmente decepcionado.

— Não acredito — disse ele, e Danilo quis chorar só por ouvir seu tom. — Por que você sempre tenta chamar minha atenção? Eu entendo que é difícil não ter uma mãe, mas você vê o Daniel fazendo o que você faz?

— Não! — trovejou o pequenino, lágrimas incontroláveis saindo de seus olhos. — Mas você nunca olha para mim como olha para ele!

— Cale-se! Você vai ficar de castigo no seu quarto hoje.

Danilo afastou-se do pai, limpou as lágrimas e deu de ombros.

— Eu não queria mesmo ver aquele velho chato.

Denílson ergueu-se furioso e deu um tapa no rosto do filho. Quando viu Danilo tornar a chorar, ele virou-lhe as costas e dirigiu-se a Maria:

— Dispa-o e tranque-o no quarto. Deixe Daniel arrumado. — E saiu do quarto sem olhar para o rosto de Danilo.

* * *

Maria cumpriu as ordens do patrão com dificuldade, já que Danilo não parava de soluçar. Quando deixou-o na porta do quarto, ela não resistiu: pegou o pequeno no colo e começou ela própria a chorar.

— Por que você tem que aprontar, meu amor?

Não houve respostas.

Maria pegou a toalha dele e vestiu-o. Depois, deixou-o sozinho, mas, durante o dia inteiro, os pensamentos estavam voltados ao menino.

Danilo, no quarto, pegou seus brinquedos e chamou seu amigo imaginário para se divertir.

— Você estava chorando? — perguntou o outro; Denílson, era como Danilo o chamava.

O garotinho limpou o rosto e tentou se recompor.

— Claro que não — respondeu, pegando um carrinho. Brincou um pouco, mas olhou novamente para o amigo. — Posso mudar seu nome?

O outro assentiu empolgado.

— Max — decidiu Danilo, pensando em um personagem de um desenho animado de que gostava, porém, achou o nome um tanto inadequado.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Até que a morte os separe


Foram três felizes anos de namoro para Igor e Débora. Eram um daqueles casais que se conheceram na faculdade. Muitos admiravam-nos pelas poucas discussões. Qualquer um que os conhecesse poderia dizer com convicção que formavam o casal perfeito. Mas apenas durante três anos…

Depois de formado, Igor foi exercer sua profissão: engenheiro civil. Poderiam considerá-lo sortudo por conseguir um emprego numa empresa de sucesso no ramo, contudo, o rapaz logo se viu envolvido em trabalhos fora de sua cidade e até do estado. Precisava viajar frequentemente e o relacionamento com Débora foi se tornando cada vez mais escasso. Ao falar com a amada ao telefone, notava que ela apenas respondia com “hum”, “é” ou “sim”. Os olhos dela quando conversavam pareciam perdidos em outros lugares. Igor estava preocupado que pudesse perdê-la.

O que poderia fazer para reconquistá-la? Ele nem conseguia trabalhar direito com tal questão perturbando sua mente. Deveria procurar um emprego que exigisse menos de si? Não, respondeu a si imediatamente. Não havia ninguém que amasse mais que Débora, porém, sabia que tinha de permanecer naquela empresa por mais algum tempo, pelo menos até ganhar algum reconhecimento. Ah, em que impasse ele se encontrava!

No fim da tarde, no entanto, uma ideia invadiu-lhe a mente.

Nesse dia, felizmente, ele não estava em viagem. Ligou para a amada e convidou-a para jantar em um restaurante que ela adorava.

Naquela noite, Igor pediu Débora em casamento. A moça, que, como sempre, parecia estar com a mente do outro lado do mundo, voltou lentamente os olhos para ele, surpresa. Igor, inseguro, pensou que ela iria responder-lhe com um “não”, mas aliviou-se quando, depois de poucos segundos, ela aceitou sorridente seu pedido.

* * *

Débora esperava que o amado ficasse mais próximo, entretanto, até o dia do casamento, pouco mudou. Ele continuava com aquele papinho de “ganhar reconhecimento” que tanto a irritava. Ela estava no seu dia de noiva dentro do salão de beleza, mas olhava tristonha para o espelho, mesmo que este mostrasse que a moça estava belíssima.

Enquanto pensava penosamente que Igor nunca mudaria, teve uma ideia inusitada. Agora ela sabia como ficaria com o amado para o resto da eternidade.

* * *

Igor esperava sorridente por Débora no altar. O casamento estava marcado para as 18 horas, porém, a moça ainda não havia aparecido às 19. Ele lembrou de algo que sua mãe lhe dissera quando ele era uma criança: “a noiva sempre se atrasa”. Mesmo assim, não havia como não ficar ansioso. E o padre o pressionava dizendo que, se Débora não aparecesse dentro de meia hora, não haveria casamento. Mas, às 19h15m, a ela apareceu.

O rapaz foi tomado de súbito por um frio no abdome quando a moça começou a desfilar vagarosamente até o altar ao lado do pai. Pensou nos anos que passaram juntos até ali, nos anos felizes que viriam. Olhava emocionado para a amada, reparando em seu lindo vestido… Ele franziu a testa. Como ele só fora notar agora? O vestido de Débora era negro. E, então, ele reparou que ela tinha no rosto um sorriso sinistro, um sorriso que ele bem conhecia: Débora planejava algo.

Débora chegou perto do altar e, enquanto o pai a deixava para se juntar aos padrinhos, ela foi até Igor. Ele ficou nervoso por encarar aquele sorriso sinistro de frente. O que Débora iria fazer? Por que tinha de ser logo naquele dia?

Igor fez todo o rito do casamento automaticamente. Não conseguia se concentrar: fitava ansioso a amada. Suas mãos, segurando as dela, suavam e tremiam. Ao ouvir o padre dizer a palavra “aceita”, ele instantaneamente disse “sim”. Alguns segundos depois, Débora fez o mesmo, no entanto, mais concentrada.

A sobrinha de Igor trouxe as alianças. Junto delas, o noivo notou algo preto, pequeno e plano. Débora pegou-o com a aliança dele e Igor não deu mais muita atenção ao objeto. Pegou a aliança da noiva.

Depois de um colocar no anelar do outro a aliança, o padre disse “Eu os declaro marido e mulher. O noivo pode beijar a noiva”. Igor e Débora beijaram-se. Quando o beijo terminou, o rapaz notou o sorriso da amada se intensificar, indo de sinistro a maligno. Ela pegou o objeto negro e apertou um botão. A última coisa que Igor ouviu foi a voz dela dizer “Eu amo você”.

A igreja explodiu. Não havia nenhum sobrevivente. A morte, afinal, uniu Igor e Débora.