sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Ostentação... e Ódio

Uma introdução à Mitologia Sentimental:

Se havia algo de que o Ódio cuidava bem era seu trono — seu intangível, insondável e inexistente trono. Estava sempre a estudar possibilidades, analisar chances, pesquisar novos campos. Em tempos antigos, era mais difícil conquistar multidões, pois os humanos lhe eram uma incógnita. Atualmente, porém, ele tinha em suas mãos aqueles maravilhosos meios de comunicação chamados de redes sociais. Ali, notou que os seres abriam-se como um livro, revelando-lhe que estavam cada vez mais consumistas.
Nascia a Ostentação.
Ostentação era um dos mais lindos deuses. Vestia roupas feitas dos mais nobres tecidos e expunha no pescoço e nos pulsos joias das mais raras: chamava atenção onde quer que estivesse. A rainha Fantasia encantou-se de imediato por ele e não demorou muito para marcarem casório. Não que o deus estivesse apaixonado por ela, contudo, o que mais gostava era de exibir que era dono da deusa do mais alto escalão.
Seres humanos logo sentiram-se influenciados pela união. Fantasiavam que possuíam roupas caras, dinheiro infinito, automóveis desejados, bebidas alcoólicas, telefones celulares, etc. Suas ilusões eram externadas através de um ritmo musical extasiantemente dançante.
O Ódio explodia de felicidade ao constatar que tomara a decisão certa ao criar a Ostentação. Estudara muito bem o comportamento humano e percebera: a beleza exterior atrai pessoas; a interior as mantém. No entanto, ninguém queria manter pessoas por perto. Não era à toa que o Amor perdera seu trono muito tempo atrás.
Ostentação foi quem decidiu onde sua união com a Fantasia seria abençoada: num shopping center. Queria mostrar sua esposa ao maior número possível de pessoas e sabia que ali haveria bastante espaço, além da questão da acessibilidade — ricos e pobres estariam lá para assistir ao casamento do ano, que estava sendo noticiado como “rolezinho”.
Como de praxe, o Ódio fez questão de estar ao lado da rainha Fantasia, como em todos os momentos importantes do reinado dela. Aprovou seu maravilhoso vestido, o qual lembrava um arco-íris, e prometeu que tudo seria perfeito. Seus olhos tinham um brilho perverso, antecipando uma tragédia.
As previsões do deus perverso foram bem-sucedidas. Em resumo, a rainha Fantasia não conseguiu nem entrar no shopping, que encontrava-se apinhado de pessoas praticamente uniformizadas, de tão parecidas suas roupas. O interior do local estava uma balbúrdia, com uma aglomeração entoando uma canção daquelas que glorificavam a Ostentação. Lojas foram saqueadas, pessoas violentadas, marginais e inocentes detidos pela polícia. Haveria um dia em que os planos do Ódio falhariam?

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