segunda-feira, 27 de setembro de 2010

O vilão da minha vida

Sufocado. Um sentimento corriqueiro fica sufocado em meu peito. Faz com que minha respiração torne-se difícil. Com que eu fique sem vontade de fazer o que gosto. Tenho certeza de que este sentimento não domina só a mim. Não sou uma exceção afinal, nunca sou. Tento fazer de tudo ao meu alcance para livrar-me dele. Nos momentos de desespero, as lágrimas acabam por me acolher. O nome deste sentimento? Nunca me vem à cabeça quando quero saber. Mas estou certo de que foi ele o responsável por levar a humanidade aonde ela está. A evolução, o progresso — seja pelo lado bom ou pelo ruim. Exato, estou afirmando que o que sinto com tamanha frequência causou tudo isso. E talvez agora que o conheço, que sei o que ele é, possa ao menos tentar arrancá-lo de meu peito.

Maldito seja. O Tédio.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

A escolha de Páris

Minha irmã mais nova, Carol, tinha um trabalho de história. Precisava fazer uma historinha baseada no mito de Páris (http://pt.wikipedia.org/wiki/Páris) e pediu ajuda para mim. Acabou que eu fiz minha primeira crônica, que encontra-se abaixo:



Talvez aquele dia tivesse sido apenas mais um. Mas tudo mudou quando Sara — apenas conhecida por este nome, pois os amigos de rua assim lhe chamavam — abriu aquele saco de lixo à procura de comida. Poderia ter sido qualquer outro saco. Qualquer outra pessoa poderia tê-lo encontrado. Mas não. Ela tinha sido a sortuda.

Sara, pobre Sara. Apenas cinco anos e tudo de que se lembrava era seu cobertor cheio de buracos, seu lugarzinho na calçada de uma das principais avenidas da cidade. Alguns amigos com quem dividia os restos de comida, mas nenhum em especial. Às vezes, tinha a sorte de encontrar um pão duro, um osso de frango ou até uma pessoa que passava correndo sem olhar para o seu rosto e, talvez sem querer, dava-lhe de esmola uma nota de dez.

Mas hoje estava tudo diferente. De certa forma, quando o sol refletiu naquele lindo anel dourado, Sara não pensou em sua barriga vazia. Ficou distraída o contemplando, sem ter noção do tempo. Só voltou a ter consciência quando uma sombra escondeu o Sol.

Ela fechou a mão. Não, nenhum de seus amigos poderia ver aquele anel. Não queria dividi-lo com ninguém. Mas ficou surpresa quando ouviu uma doce voz feminina.

— Olá.

Sara virou-se assustada.

— Oi.

Ela coçou a cabeça, constrangida. A mulher não era alguém que conhecesse. Tampouco era uma mendiga. É claro que não, suas roupas não lhe deixavam sombras de dúvida. Parecia até alguém da tevê, com aquele terninho e calça social bege.

Ela estendeu a mão.

— Eu sou Laura, uma assistente social.

Sara piscou. Pegou a mão da mulher em dúvida.

— Pode me chamar de Sara.

Laura sorriu.

— Bem, garotinha, não tenho muito tempo para explicar por que, mas você precisa fazer uma escolha. E rápido.

Sara ficou confusa. A mulher afagou seus cabelos.

— Você só pode optar por uma das três escolhas que te ofereço.

Laura tirou algo do bolso. Era uma carteira. Abriu-a e mostrou para Sara.

— Dinheiro. Você pode pegar o quanto quiser.

Sara olhou para as notas. Todas azul-claras, aquelas que os garotos pareciam tanto venerar. Antes que pudesse pegar uma, Laura guardou a carteira e tirou alguns papéis de uma pasta que carregava.

— Matrícula. É para um internato onde você crescerá e será educada.

Sara estava confusa demais. E desconfiada. O que aquela mulher pediria em troca de favores tão grandes? Mas Laura pôs os papéis de volta na pasta e tornou a falar:

— Ou sua mãe. Poderia conhecê-la e ser amada por ela. Sua mãe. Aquela que te abandonou na rua, que te deixou sozinha. Que não se preocupou em abandoná-la para procurar comida no meio do lixo.

Uma lágrima rolou pelo rosto da mulher.

Sara não percebeu. Seus olhos brilhavam.

— Você conhece minha mãe?

Laura fez que sim com a cabeça.

— E então, menina? O que vai escolher?

Sara se apavorou. Não sabia o que escolher. Mas seus pensamentos foram interrompidos quando Laura agachou-se e segurou sua cabeça. Sara olhou diretamente para os olhos da mulher. E ficou surpresa. Conhecia aqueles olhos de certa vez quando abriu um saco de lixo e se cortou. Era o pedaço de um espelho. Olhara para ele e lembrava-se de ter visto os mesmos olhos.

Ela já sabia o que escolher.