O Oráculo de Delfos me incumbiu de uma
tarefa diária: utilizar o transporte público para ir ou voltar do trabalho. A
tarefa não é muito diferente da epopeia de Homero: embarco numa missão quando
saio do ponto de ônibus com o objetivo em mente de chegar ao trabalho e
enfrento diversos obstáculos.
Existe
um monstro terrível chamado Trânsito. Infelizmente, não há espada que possa atacá-lo
ou armadura que me possibilite defender-me dele. Sou uma vítima constante. Essa
criatura pode se tornar ainda mais terrível quando se junta ao Atraso.
Não
posso me esquecer que, eventualmente, eu me transformarei num monstro também. É
gradativo: cada passageiro que entra na lata torna-se uma parte da criatura
chamada Massa, originada por um processo de condensação. A Massa é tão
monstruosa que suas células nem são organizadas tampouco trabalham em conjunto.
Uma célula esquece de passar desodorante; outra acha que o tipo de música de
que gosta é tão bom que não pode ser ouvido somente por si; existe também
aquela célula folgada que deve pensar que está sobrando espaço, pois carrega um
mochilão de viagem nas costas.
Atualmente,
a Massa tem sido assombrada por demônio cujo nome é Safadeza. Ele possui células
masculinas aleatórias, que vão chegando por trás das células femininas e acabam
cometendo atos nada respeitosos às coitadas. É lamentável.
Não
posso reclamar. O Oráculo me avisou dessas atribulações. É até cômico concluir
que no trabalho me canso menos do que dentro de um ônibus. E, ao fim do dia, lá
vou eu me aventurar novamente. Quando, após todos os desafios, consigo chegar a
minha casa, um pensamento me atormenta: “se a estadia no submundo for uma
viagem infinita no transporte público, é justificável o terror que carrega o
nome inferno”.