domingo, 13 de abril de 2014

Odisseu, Eneias e Pedro

O Oráculo de Delfos me incumbiu de uma tarefa diária: utilizar o transporte público para ir ou voltar do trabalho. A tarefa não é muito diferente da epopeia de Homero: embarco numa missão quando saio do ponto de ônibus com o objetivo em mente de chegar ao trabalho e enfrento diversos obstáculos.

Existe um monstro terrível chamado Trânsito. Infelizmente, não há espada que possa atacá-lo ou armadura que me possibilite defender-me dele. Sou uma vítima constante. Essa criatura pode se tornar ainda mais terrível quando se junta ao Atraso.

Não posso me esquecer que, eventualmente, eu me transformarei num monstro também. É gradativo: cada passageiro que entra na lata torna-se uma parte da criatura chamada Massa, originada por um processo de condensação. A Massa é tão monstruosa que suas células nem são organizadas tampouco trabalham em conjunto. Uma célula esquece de passar desodorante; outra acha que o tipo de música de que gosta é tão bom que não pode ser ouvido somente por si; existe também aquela célula folgada que deve pensar que está sobrando espaço, pois carrega um mochilão de viagem nas costas.

Atualmente, a Massa tem sido assombrada por demônio cujo nome é Safadeza. Ele possui células masculinas aleatórias, que vão chegando por trás das células femininas e acabam cometendo atos nada respeitosos às coitadas. É lamentável.
Não posso reclamar. O Oráculo me avisou dessas atribulações. É até cômico concluir que no trabalho me canso menos do que dentro de um ônibus. E, ao fim do dia, lá vou eu me aventurar novamente. Quando, após todos os desafios, consigo chegar a minha casa, um pensamento me atormenta: “se a estadia no submundo for uma viagem infinita no transporte público, é justificável o terror que carrega o nome inferno”.